A CULTURA DA MÍDIA PÓS-VILÉM FLUSSER

Nossa comunicação e, consequentemente, nosso mundo estão submetidos constantemente a mudanças fundamentais. A aceleração das novas tecnologias contribui para transformações radicais. O crescimento do fluxo das informações na realidade midiatizada e globalizada modifica parâmetros básicos do nosso mundo: fragmentos até então desconectados, agora dados em presença simultânea, formatam a estrutura das coisas e do próprio pensamento e modificam as categorias do espaço e do tempo. Essa nossa cultura midiática se baseia, obviamente, cada vez mais em imagens fragmentadas e cada vez menos em conceitos complexos. Aparelhos técnicos e memórias eletrônicas expandem as fronteiras da nossa vida real até o espaço virtual. Em consequência, o significado de nós mesmos e da realidade se altera substancialmente.

            Um dos primeiros pensadores a refletir filosoficamente sobre essas mudanças foi Vilém Flusser. Ele chega a constatá-las utilizando a análise dos termos “comunicação”, “sociedade de informação”, “cultura midiatizada” e “crise da linearidade”. O código linear e conceitual, presente na escrita, no texto e no livro está sendo substituído por um código estruturado por imagens, que se manifesta em imagens em movimento e nas superfícies dos aparelhos técnico-digitais. A mudança dos nossos códigos culturais, nossas estruturas de pensamento e modelos do mundo em conseqüência da transformação da sociedade causada pela tecnologia, foi considerada por Flusser como irreversível. Enquanto isso, cada código constitui seu próprio modo de pensar, o que, por sua vez, define a percepção, os conceitos de tempo e espaço, como também os atores-sujeitos agindo nesse mundo.  Ao mesmo tempo, constitui a base dos modelos de pensamento que operam na ciência, na lógica, na arte e na política. Essa mudança de paradigmas é baseada, entre outros, na retificação de nossos canais de comunicação e no papel do computador como memória externalizada. A crítica da cultura flusseriana, que ganhou forma como utopia positiva da sociedade telemática, apresenta-se hoje, surpreendentemente em muitos aspectos, bem atual. 


            O encontro ’’Do conceito à imagem: a cultura da mídia pós Vilém Flusser“  pretende refletir em que medida as análises e pensamentos de Flusser ainda são pertinentes, e se propõe a oferecer uma plataforma para os interessados em questões filósoficas-midiáticas  que reconhecem as teorias de Flusser como ponto de referência.  Nesse sentido, levantam-se as perguntas: Qual relação se estabelece entre o código linear e o código digital, zerodimensional e computado? O código linear, realmente, se torna insignificante? Quais relações existem entre o código linear e o código imagético? E hoje, como se apresentam as consequências previstas por Flusser, positivas e negativas, ou seja, as possibilidades e os riscos, vantagens e desvantagens? Como a transformação das categorias de tempo e espaço modifica as nossas dimensões de agir? A impossibilidade de distinguir entre fatos e ficção, defendida por Flusser, realmente se aplica à situação vigente? Qual é a relação entre a sociedade telemática de Flusser e as redes sociais de hoje? Quais aplicações empíricas que a abordagem flusseriana oferece? E quais correlações com outros pensadores, complementações e críticas seriam indicadas?


Como o princípio da obra filosófica de Flusser é o diálogo entre as disciplinas e metodologias, abre-se assim a possibilidade de expandir um vasto campo de relações entre ciência e arte, estudos das mídias e estética, mídias antigas e novas e, indiscutivelmente, entre o olhar e o pensamento por meio de aparelhos. Assim, o encontro vai ser também composto de uma exposição que pretende construir coletivamente uma grande imagem em rede constituída de painéis de expressões com elementos e formas heterogêneas, discursivas e perceptivas, inscrições informacionais ou tecnológicas, plásticas ou não, que operam a partir da obra de Flusser e suas relações possíveis, visando uma potência poética dos trabalhos. Nesses termos, leva em conta as dimensões da obra de Flusser nos dois países, isto é, Brasil e Alemanha e se entende como parte da cooperação acadêmica entre os dois. Os idiomas do encontro são alemão, inglês e português.